“Está chovendo um copo d’alma
Nessas paredes frias
Nessas pernas frágeis
Aqui passa um rio de seis cantos
Sendo 4 esquinas
2 pontes e 6 pés interligando os ductos
desse corpo suspenso”. MC²
O ponto de partida desta obra é a solidão. Mais uma vez a senhora dos nossos medos mais comuns realça-se no coração do artista. Por que será que esta temática é tão recorrente nas obras atuais?
Não é preciso ser um especialista para perceber que mesmo depois de algumas décadas o “vazio” tão bem representado em Beckett perpetua nas indagações e provocações feitas nas encenações contemporâneas. O maior desafio desse trabalho é a busca pelo “Estar em Cena”, pelo oco, pelo
vazio, em não ser Nada, simplesmente Estar. O vazio que dói por que tudo em volta se dissolve, nada estabelece vínculos. O vazio da modernidade líquida tão criticada por Bauman. A piscina vazia.Um corpo que sempre se esvazia.
Este processo é um apontamento das inquietações de uma artista que deseja encontrar na sua particularidade motivação para continuar a trilhar os caminhos da criação artística. Há alguns anos esta mesma pretendia criar algo embasado no seu conto e, através, de pesquisas teóricas
encontrou na obra do sociólogo polonês um suporte para sustentar suas idéias. A inquietante insatisfação de não se sentir representada em muitos trabalhos e a necessidade de se encontrar em um processo que pudesse ser genuíno levaram-na intuitivamente, em 21 de julho de 2009, a dar início à pesquisa, mesmo sem saber por onde começar. À medida que se encontrava com o objeto observava- o investigando às infinitas possibilidades de imagens. Estabeleceu assim que pesquisaria possíveis fotografias do objeto com o corpo. Aos poucos, foi selecionando aquelas que mais lhe apeteciam até perceber que tudo era plástico e que seu corpo dançava com o objeto. Esse momento de crise foi decisivo para chamar a direção, pois repentinamente se viu em contato com um repertório totalmente diferente. Assim, o olhar de Isadora Dias foi trazendo a forma e a técnica necessária. Os exercícios com os apoios do corpo, e a investigação pelos ocos e vazios do corpo além do exercício da simples e complexa presença. Através de improvisos orientados foram se delineando um roteiro para o trabalho. Neste momento era necessário buscar qualidades de movimentos que revelassem o estado de liquidez. No estágio dos detalhamentos o corpo conquistou mais autonomia conseguindo uma relação mais orgânica com o objeto.
A trilha, confeccionada por Loop B, surge então como um elemento que estimula as intenções de movimento, no entanto, nem sempre dialogando ritmicamente. Nesse sentido, o estranhamento da quebra do ritmo proposto e os longos silêncios são extremamente provocadores. É como se os
elementos da cena, às vezes, se distanciassem permanecendo isolados, sem vínculo, assim como nas relações descritas por Bauman.
A projeção de Wilq Vicente dialoga com a obra propondo uma intervenção com elementos urbanos em plano, freqüentemente parado, em oposição ao movimento do corpo no espetáculo. No entanto, as imagens revelam a busca vazia no cotidiano saturado do consumismo exacerbado e o frenético ir e vir das pessoas em uma cidade de anônimos. O cenário paulista realça o lugar da efêmera passagem dos corpos, os lugares insalubres e inóspitos habitados por moradores de rua vivendo à deriva, fadados a própria incerteza do presente e dissolvidos, indiferentemente, na paisagem da metrópole. A câmera flagra o universo real desse estado líquido em que vivemos.
“PISC in À” é um espetáculo que estará sempre em processo uma vez que ainda não se esgotaram as ferramentas para sua realização. É o trabalho de uma atriz dançarina que se aventurou a encarar novos desafios mergulhando na sua intimidade e permitindo se transformar em um universo, a princípio, desabitado em seu corpo. As descobertas foram muitas mas tantas estão por vim, pois, a troca do aprendizado não se sucedeu de maneira efetiva. Enfim, PISC in À é uma obra instigante, bela, autêntica que provoca nossa sensibilidade e precisa ser compartilhada com as mais diversas culturas, por isso escolhemos quatro cantos diversos do país, acreditando potencializar o trabalho através dos diferentes olhares. MC²
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